sexta-feira, 28 de junho de 2013

Gerald Thomas (teatro no Brasil hoje) - Escreve em 2009 seu manifesto... será o que mudou! Vou fazer um enorme esforço em me ver de volta, seja via aqueles olhos de Rembrandt ou uma fatia do Tubarão de Damien Hirst.

Minha “INDEPENDÊNCIA OU MORTE” – TUDO A DECLARAR – “It’s a Long Good Bye”

 http://geraldthomas.net/h_synopsis.html

New York – Meus queridos, cheguei num ponto crucial da minha vida. O MAIS crucial até hoje. Um asterisco. Aliás, já estou nele há algum tempo e percebo que não adianta resmungar pra cima e pra baixo. Finalmente tomei uma decisão.
Transformar o mundo: acordar todos os dias e transformar o mundo”, dizia a voz de Julian Beck (quem eu dirigi e com quem aprendi tanta coisa). Eu tinha uma vaga noção das coisas. Não  encontro mais nenhuma. Eu tinha uma fantasia. Não a encontro mais. Só encontro aquele auto-retrato de Rembrandt me olhando, ele aos 55, eu aos 55,  um num tempo, o outro no outro, como se um quisesse dizer pro outro: o TEU “renascentismo” acabou: Você morreu. Morri?
I can’t go on. And I won’t go on.
Beckett, que é o meu universo mais próximo, diria “but I’ll go on”. Sim, existia uma necessidade de se continuar. Mas olho em volta e me pergunto: Continuar o quê? Não há muito o que continuar.
Minha vida nos palcos acabou. Acabou porque eu determinei que os tempos de hoje não refletem teatro e vice-versa. Também não estou a fim de criar o iTheatro, assim como o iPhone ou o iPod. A miniatura e o “self satistaction” cabem muito bem na decadência criativa de hoje. Mas, se formos analisar o último filme ou CD de fulano de tal, ou a última coreografia de não sei quem, veremos que tudo é uma mera repetição medíocre e menor de algo que já teve um gosto bom e novo.
Claro, minha opção dramatúrgica sempre foi escura, sempre foi dark, se assim querem. De Beckett e Kafka aos meus próprios pesadelos, que um crítico do New York Times disse que eu ”usava a platéia como meu terapeuta”. Até que coloquei Freud como sujeito principal da ópera “Tristão e Isolda” no Municipal do Rio. Acho que o resultado todo mundo conhece.
É estranho. Até 2003, 2005 talvez, ainda fazia sentido colocar coisas em cena. Sinceramente não sei descrever o que mudou. Mas mudou.
Claro que somos seres políticos. Mas isso não quer dizer que nossa obsessão ou a nossa única atenção tenha que ser A política. Ao contrário. A arte existe, ou existia, justamente para fazer pontes, metáforas, analogias entre a condição  e fantasia do ser humano de hoje e de outras eras e horas.
Daniel Barenboim, que nasceu Argentino mas é cidadão do mundo (um dos músicos mais brilhantes do mundo), e cidadão Israelense, achou uma forma de aplicar sua arte na prática. Ele tenta, desde 2004, “provocar”, através da música, a paz entre palestinos e israelenses. Fez um lindíssimo discurso ao receber o prêmio “Wolf” no Knesset Israelense dizendo que sua vida era somente validada pela música que ele conseguia construir com jovens músicos palestinos (presos, confinados – justamente na época em que Israel construía um Muro de separação) e jovens músicos israelenses.
Não sou tão  genial quanto Daniel Barenboim e construir uma peça de teatro é muito mais difícil que abrir partituras de um, digamos, Shostakovich ou Tchaicovski, e colocar a orquestra pra tocar.
AMNÉSIA TEMPORÁRIA
Um trecho de uma sinopse, por exemplo, que escrevi quando os tempos ainda se mostravam propícios:
“E em Terra em Trânsito, uma óbvia homenagem a Glauber, uma soprano só consegue se libertar de sua clausura entrando em delírios, conversando com um cisne fálico, judeu anti-sionista, depois de ouvir pelo rádio um discurso do falecido Paulo Francis sobre o que seria a verdadeira forma de “patriotismo”. O cisne (cinismo) sempre a traz de volta a lembranças: “Ah, você me lembra os silêncios  nas peças de Harold Pinter! Não são  psicológicos. Mas é que o sistema nacional de saúde  da Grã-Bretanha está em tal estado de declínio que os médicos estão  a receitar qualquer substância, mineral ou não mineral, que as pessoas ficam lá, assim, petrificadas… cheirando umas às outras…”
Essa “petrificação” que a sinopse descreve, acabou me pegando.
“Os dois espetáculos (Terra em Trânsito e Rainha Mentira), são  uma homenagem à cultura teatral e operística aos mortos pelos regimes autoritários/ditaduras”.
Serão mesmo? Homenagens?  Não, não são. Quando escrevo um espetáculo, escrevo e enceno o que tenho que encenar. Não penso em homenagens.
“Mais do que nunca eu acredito que somente através  da arte o ser humano voltará a ter uma consciência do que está fazendo nesse planeta e de seu ínfimo tamanho perante a esse imenso universo: ambas as peças  se encontram em “Liebestod”, a última ária de “Tristão  e Isolda”, onde o amor somente é possível através  da morte e vice-versa.  No enterro da minha mãe, ao qual eu não fui (por pura covardia) uma carta foi lida (mas ela é lida  na cena final de “Rainha Mentira”), que presta homenagem aos seres desse planeta que foram, de uma forma ou outra, desterrados, desaparecidos, torturados ou são  simplesmente o resultado de uma vida torta, psicologicamente torta, desde o início torta e curva, onde nenhuma linha reta foi, de fato, reta, onde as portas somente se fechavam  e onde tudo era sempre uma clausura e tudo era sempre proibido e sempre trancado. Então, a tal homenagem se torna real, através da ficção da vida do palco”.
Pulo pra outro trecho, lá no fim do programa.
“Essa xícara esparramada nessa vitrine desse sex shop em Munique era um símbolo que Beckett não ignoraria e não esqueceria jamais. Eu também não. Sejam bem vindos a tudo aquilo que transborda. ”
Por que coloquei esse trecho de programa ai? Não sei dizer.
Liberdade poética pura ou pura liberdade poética. Ou chateação mesmo! Talvez seja um indicador do quanto estou perdido no que QUERO DIZER e ONDE QUERO CHEGAR.
Tenho que sair por aí pra redescobrir quem eu sou. Talvez nunca venha a descobrir. Posso estar vivendo uma enorme ilusão. Mas não me custa tentar. Virei escravo de um computador e virei escravo de uma agenda política imediata da qual não faço  parte. Tenho uma imensa cultura histórica. Imensa. Tão grande que a política de hoje raramente me interessa. Sim, claro, Obama. Mil vezes Obama. Mas Obama afeta o mundo inteiro. Mais eu não quero dizer.
Tenho que sair por aí pra redescobrir quem eu sou.
(nota rápida: acabo de ver o que resta do The Who, Daltrey e Townsend, no programa do Jools Holland: não tem jeito: nenhuma banda de hoje tem identidade MESMO! A garotada babava! E era pra babar mesmo!)
Sabem? Vale sempre repetir. Fui criado na sombra do holocausto entre os pingos de Pollock e os “ready mades” de Duchamp e os rabiscos do Steinberg. Isso o Ivan Serpa e o Ziraldo me ensinaram muitíssimo cedo na vida.
E… Haroldo de Campos.
Meu Deus! O quanto eu devo a ele! Não somente o fato dele ter sido o curador dos livros que a Editora Perspectiva lançou a meu respeito mas… a convivência! E que convivência! E a amizade. Indescritível como o mundo ficou mais chato e menos redondo no dia em que ele morreu. E ele morreu na estréia do meu “Tristão e Isolda” no Municipal do Rio. Haroldo não somente entendia a minha obra, como escrevia sobre ela, traçava paralelos com outros autores e criava, transcriava a partir do meu trabalho. A honra que isso foi não tem paralelos. Por que a honra? Porque Haroldo era meu ídolo desde a minha adolescência. O mero fato de “Eletra ComCreta” se chamar assim, era uma homenagem aos concretistas.
Mas ele só veio aparecer na minha vida na “Trilogia Kafka”, em 1987. Eu simplesmente não acreditei quando ele entrou naquele subterrâneo do Teatro Ruth Escobar.
Nem mesmo a convivência com Helio Oiticica foi uma coisa tão forte e duradoura.
Não posso e não vou nomear todas as grandes influências da minha vida. Daria mais que um catálogo telefônico. Já bato nessa tecla faz um tempo.
Philip Glass dá uma graciosa e hilária entrevista a meu respeito (http://www.vimeo.com/2988089). Dura uns 20 minutos. Nela, ele sintetiza, como se num improviso, tudo aquilo que os scholars e os críticos não conseguem dizer ou tentam dizer com oito mil palavras por parágrafo! Essa entrevista também está no www.geraldthomas.com ou aqui em vídeos, no blog.
Meu pai me fazia ouvir Beethoven numa RCA Victor enorme que tínhamos. E eu, aos prantos, com a Pastoral (a sexta sinfonia) desenhava, desenhava essas coisas que, décadas mais tarde (na biblioteca do Museu Britânico) iam virando projetos de teatro. Hoje, com mais de 80 “coisas” montadas nos palcos do mundo, olho pra trás e o que vejo?
Vejo pouco. Vejo um mundo nivelado por uma culturazinha de merda, por twitters que nada dizem. Vejo pessoas sem a MENOR noção do que já houve e que se empolgam por besteiras. Nem bandas ou grupos de músicas inovadoras existem: vivemos num looping dentro da cabeça de alguém. Talvez dentro de John Malcovich.  E, ao contrário de Prospero, ele não nos liberta para o novo, mas nos condena pro velho e o gasto! Até a China tem a cara do Ocidente. Ou então nos antecipamos e nós é que temos a cara da China, já que tudo aqui é “made in China”.
Sim, encontrei Samuel Beckett, montei seus textos, encontrei um monte de gente que, quem ainda não viu, não sabe ou não leu – vá no www.geraldthomas.com e se depare com o meu universo.
E gostaria muitíssimo que vocês entendessem o seguinte: quando comecei minha carreira teatral, a vida, a cena aqui no East Village era “efervescente”. Tínhamos o Village Voice e o SoHo News pra nos apoiar intelectualmente. A “cena” daqui era multifacetada. Eram dezenas de companhias, desde aquelas sediadas no La MaMa, ou no PS122, ou em porões, ou em Lofts ou em garagens, ou aquelas que o BAM importava, mas era tudo uma NOVA criação. Era o exercício do experimentalismo. Do risco.  E os críticos, assim como os ensaístas, nos davam páginas de apoio.
Além do mais, a minha geração não INVENTOU nada. Somente levou aquilo que (frutos de Artaud, Julian e Grotowski), como Bob Wilson, Pina Bausch, Victor Garcia, Peter Brook, Peter Stein e Richard Foreman e Ellen Stewart, etc., haviam colocado em cena. Faço parte de uma geração de “colagistas” (se é que essa palavra existe). Simplesmente “levamos pra frente, com alguns toques pessoais” o que a geração anterior nos tinha dado na bandeja. Mas quem sofreu foram eles. Digo, a revolução foi de Artaud e não da minha geração..
Portanto, minha geração não fará parte da HISTÓRIA. Óbvio que digo isso com enorme tristeza. Nada fizemos, além de tocarmos o barco e ornamentarmos ele.
Ah, hoje o Village Voice está reduzido a um jornal de sex ads. Sobre os teatros eu prefiro não falar. Quanto aos grupos, 99 por cento deles, não existem mais e nem foram trocados por outros. Só se vê pastiche. É o mesmo que no mundo da música: é o mesmo bate-estaca em tudo que é lugar.
Esse universo está menor que aquele que Kepler ou Copernico ou Galileu descobriram. O Wooster Group aqui fechou suas portas. Muitas companhias de teatro daqui e da Europa fecharam suas portas. E poucos jovens sabem quem é Peter Brook. Esse ano perdemos Pina Bausch e Merce Cunningham e Bob Wilson, o Último Guerreiro de pé, inexplicavelmente, viaja com uma peça medíocre: “Quartett” de Heiner Mueller, que eu mesmo tive o desprazer de estrear aqui nos Estados Unidos (com George Bartenieff e Crystal Field) e no Brasil com Tonia Carreiro e Sergio Britto nos anos 80. Heiner Mueller é perda de tempo.
E Wilson está tendo enormes dificuldades em manter  seu complexo experimental em Watermill, Long Island, aqui perto, que habilitava jovens do mundo a virem montar mini espetáculos e conviver e trocar idéias com seus pares de outros países.
Sim, o tempo semi-acabou.
Mas somente parte desse tempo acabou. E o problema é meu. Como disse antes: vou tentar sair por aí pra redescobrir quem eu sou.
Mas vai ser difícil. Sou daqueles que viu a Tower Records abir a loja aqui na Broadway com Rua 4. Hoje a Tower se foi e até a Virgin, que  destruiu a Tower, também se foi e está com tapumes  cobrindo-a lá em Union Square. Parece analogia pra um 11 de Setembro? Não, não é. Falo somente de mega lojas de Cds.
Tive a sorte de seguir as carreiras de pessoas brilhantes, ver Hendrix de perto, ou Led Zeppelin, ou dirigir Richard Wagner, e estar na linha de cuspe de Michael Jackson e de assistir ao vivo o nascimento da televisão a cabo, da CNN, da internet, dos emails pra lá e pra cá. Deram-me presentes lindos como grande parte das óperas que dirigi nos melhores palcos das casas de Ópera da Europa.
São muitas fantasias que a depressão  não deixa mais transparecer. E o que é a arte sem a fantasia, sem o artifício? É o mesmo que o samba sem o surdo e a cuíca! Fica algo torto ou levemente aleijado.
Não, não estou indo embora. Anatole Rosenfeld escreveu:
O teatro é  mais antigo que a literatura e não depende dela. Há teatros que não se baseiam em textos literários. Segundo etnólogos, os pigmeus possuem um teatro extraordinário, que não tem texto. Representam a agonia de um elefante com uma imitação perfeita, com verdadeira arte no desempenho. Usam algumas palavras, obedecendo à tradição oral, mas não há texto ou literatura.
No improviso também há tradição.”
Perdi meu improviso. Sim, perdi a vontade de improvisar.
Vou fazer um enorme esforço em me ver de volta, seja via aqueles olhos de Rembrandt ou uma fatia do Tubarão de Damien Hirst.
Óbvio que – na eventual possibilidade de um acontecimento real – eu reapareço por aqui com textos, imagens, etc. Também sem acontecimentos. Pode ser que eu me encontre no meio da Tunísia, numa tenda de renda, e resolva, a la Paul Bowles escrever algo: surgirá aqui também. Então, o blog permanecerá aberto, se o IG assim o permitir.
Sei que estou no início de uma longa, quase impossível e solitária jornada.
I’ve had the best theater and opera stages of the world, in more than 15 countries given to me. Yes,  I was given the gift of the Gods. No complaints, whatsoever. It has been a wonderful ride. Really has. Thank you all so very much. Thank you all so very very much.
Um breve adeus para vocês!
LOVE
Gerald Thomas, 7 September 2009

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