segunda-feira, 6 de junho de 2011

“Santas ou Putas?” - por Marina Costin Fuser

“Santas ou Putas?” - por Marina Costin Fuser

 

por Marina Costin Fuser, segunda, 6 de junho de 2011 às 00:23
 
   “Slut Walk” é um movimento preconizado pelas canadenses Sonya Barnett e Heather Jarvis ,  como resposta ao Depto. de Polícia de Toronto, que culpabilizou vítimas de estupro por suas vestes provocativas. Em alguns processos jurídicos prévios, as vestimentas das vítimas serviram de atenuante para as sentenças de alguns estupradores. Foi então que surgiu a idéia de uma reapropriação do termo “slut”, como uma provocação lúdica que recolocasse a idéia da "puta" na sociedade. Mais de três mil mulheres trajadas com roupas decotadas, cintas-liga, meia-calças arrastão e outros acessórios indumentários socialmente concebidos como arquétipos da “puta”, marcharam nas ruas de Toronto rumo à Delegacia de Polícia, em defesa das vítimas e do seu direito à autonomia sobre seus corpos. “A maneira como eu me visto não é um convite ao ato sexual”. Algo que se remete à Geise Arruda, a jovem que foi agredida por estudantes por vestir um vestidinho rosa-choque nos corredores da Uniban em 2009.

   Queimar o sutiã pode ser um ato político, ou uma cena sem propósito de uma pornochanchada.  Sob a ótica patriarcal, a “puta” é sempre a mulher, antes de ser aquela que vende o corpo. Assim como "queer" é uma apropriação de um termo pejorativo que designa um estigma homofóbico, sob este prisma não se deve entender "slut", em si mesma, como "puta" (ou o direito a sê-la), mas antes uma ressignificação que coloca em xeque a prerrogativa machista segundo a qual "quem não é santa é puta", e culpabiliza a vítima por suas vestimentas.  A quem cabe julgar outra mulher por suas roupas provocativas?  O que me chama atenção é quando são as  feministas lançar a primeira pedra.  As concepções patriarcalistas são tão solidamente edificadas na nossa cultura e em nosso imaginário, que incidem sobre as práticas discursivas, aproximando os discursos feministas dos setores mais conservadores da sociedade. Não sei o que mais me perturba, a saturação do sexo na mídia e nas práticas discursivas ou a dessexualização do feminismo. Algumas vertentes mais caretas abordam a liberalização sexual como uma heresia, insensíveis à delicada ambiguidade que paira por debaixo do tule.

   Como bem observou a historiadora Luzia Margareth Rago: “Herdamos muita desinformação, mitos, mentiras e silêncios sobre nossos corpos e desejos, além da culpabilização do prazer. Gosto de estudar os gregos da Antigüidade, porque eles exerciam a noção sobre o uso dos prazeres, como prática da liberdade e como forma de estetizar a própria vida. De qualquer jeito, sou favorável a um mundo mais erotizado e sexualizado, porque assim somos. Mas não da maneira como vem sendo imposta pela mídia, que destrói o erotismo. Posso ainda alertar para o perigo de um mundo distante e irreal, onde o trabalho, a ciência e a reflexão ficam sem cheiro, charme, sabor, tesão. Estou com Roberto Freire, quando afirma que ‘sem tesão, não há solução’.”

   Em uma teia de complexa tessitura, formada por uma multiplicidade de fios delicados, como a sexualidade feminina, é preciso ter cuidado. Quaisquer que sejam os desdobramentos, tendo a fugir das oposições binárias, e categorias fixas, em que o papel de réu ou vítima recai sobre a mulher. Está em voga uma saturação de imperativos sobre o sexo - rasga-se o invólucro, sem se alterar os conteúdos-, mas a mulher continua a ser designada como “puta”. “Puta” passa a ser o lugar do prazer feminino. No corredor semântico, “puta” deixa de ser aquela que vende o corpo para designar mulher. Santa é uma mulher dessexualizada, que se nega enquanto mulher para pertencer a um Outro.  As vestimentas, as regras de conduta, os padrões estéticos, todos passam por esse crivo dissociativo, que normatiza o sexo. Me inspira uma linha de pensamento mais híbrida, encarnada, mais atenta à teia, que a um ou outro fio solto. O mercado e a mídia atravessam a teia, mas se esbarram em outras nós imprescindíveis, como a autonomia e a liberalização sexual. Por mais que essas questões apareçam imbricadas, uma não elimina a outra. Quando nos atemos a um só fio, ele fica pesado e se rompe.

Uma amiga encontrou a resposta à pergunta que dá título a esse artigo: “Puta ou Santa... melhor seria se pulsante...”


Um comentário:

Camila disse...

Que artigo lindo!!!
Melhor seria se pulsante...Todas nós, as pessoas!!!!!